Minha vida foi marcada pelo convívio com minha nona, nas Serras Gaúchas. Cresci ouvindo-a falar uma língua meia estranha, uma mistura de italiano, português e vêneto. O amor pelo cinema foi iniciado com minha mãe. Assim, logo me apaixonei pelo neorrealismo italiano. Casei com um filho de italiano, que por sua vez me ensinou amar as comédias italianas com Totó, Alberto Sordi e Ugo Tognazzi. Minha vida sempre foi cercada pelas figuras de Marcello Mastroianni, Sophia Loren, Vittório Gasmam, Gian Maria Volonté, Cláudia Cardinale, Anna Magnani, Nino Manfredi, mais conhecidos que qualquer astro americano.
De tanto ver filmes, que foram rodados em Roma, a cidade passou a ser íntima. Roma sempre me pareceu um lugar muito familiar. Indico aqui 50 filmes incríveis e uma série ótima, que são ambientados em Roma. Dos clássicos Roma, Cidade Aberta, Ladrões de Bicicletas e La Dolce Vita aos mais recentes Para Roma com Amor, Gladiador e Anjos e Demônios.
Os filmes mostram o estilo de vida romano, sob o olhar de seus incríveis cineastas: Roberto Rosselini, Federico Fellini, Pier Paolo Pasolini, Luchino Visconti, Vittório de Sica, Michelangelo Antonioni, Bernardo Bertolucci, Ettore Scola, Mario Monicelli, Elio Petri, Dino Risi.
Uma verdadeira maratona cinéfila antes de sua viagem a Roma. E quando você estiver na Cidade Eterna, com certeza terá um dejá vu. Vou dividi-los em três posts para não ficar muito monótono.
1- Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini (1947)
Para abrir qualquer lista dos melhores filmes romanos, Roma, Cidade Aberta encabeça qualquer lista com seu forte conteúdo sobre a ocupação de Roma pelos nazistas, entre os anos de 1943 e 1944. O filme é grandioso e mostra a resistência e o confronto da população romana, contra os alemães e o exército fascista de Mussolini.
O roteiro é de ninguém menos que Federico Fellini, que auxiliava Rosselini nesse período. A estrela do filme é Anna Magnani, uma das maiores atrizes do cinema mundial, embora não tão conhecida no Brasil como Cláudia Cardinale e sophia Loren. Aldo Fabrizzi interpreta um padre no filme Roma, Cidade Aberta, que é o marco inicial do movimento neorrealista italiano. Locações: bairro do Esquilino e na estação ferroviária do Termini e arredores.
2 – Ladrões de Bicicleta, de Vittorio de Sica (1948)
Ladrões de Bicicletas é um dos mais lindos e comoventes filmes feitos na Itália, e tornou-se conhecido mundialmente. Se Roma, Cidade Aberta é o marco inicial do movimento neorrealista, Ladroões de Bicicleta é a obra definitiva. O filme é extremamente reverenciado pelo seu roteiro e sempre figura entre os dez melhores filmes de todos os tempos. Feito pelo popular cineasta e ator Vittorio de Sicca, divide com Roma, Cidade Aberta o protagonismo da criação do Cinema Neorrealista do Pós-Guerra.
Conta a história comovente de um desempregado que arruma um trabalho na prefeitura de colocador de cartazes, período de muita fome e sofrimento na Itália Pós-Guerra. Para retirar a bicicleta da penhora, sua esposa deixa todos os lençóis da casa. No primeiro dia de trabalho a bicicleta é roubada.
Começa então a saga de Antonio Rizzi com seu filho Bruno, procurando em diversos lugares de Roma a bicicleta roubada, com locações no mercado de pulgas de Porta Portese e no bairro do Trastevere. Para quem não viu, não deixe de assistir um dos maiores clássicos do cinema, um filme realizado com pessoas do povo, que nunca haviam interpretado antes. O filme é simplesmente especial e sua vida não será mais a mesma pós assistir Ladrões de Bicicleta. Prepare uma caixa de lenços.
3 – La Dolce Vita, de Federico Fellini (1960)
O mais famoso filme de Federico Fellini é um retrato da vida decadente, superficial e hedonista dos romanos, 15 anos após o fim da segunda guerra.
O papel principal do jornalista romano Marcello, interpretado pelo maior ator do cinema italiano, Marcello Mastroianni. Com muitas cenas noturnas, o filme eterniza um dos momentos mais famosos do cinema, com a sueca Anita Ekberg interpretando uma “atriz sueca” em visita a Roma e que acaba dentro da Fontana di Trevi.
Com certeza uma das cenas mais assistidas de todos os tempos e imaginada por milhares de pessoas que se acotovelam em frente a fonte diariamente.Festas e festas intermináveis em Roma, fazem de Marcello um homem sem compromisso, cheio de namoradas e com uma amante ciumenta. Outra cena famosa é a de uma estátua gigante transportada sobre o Vaticano.
Marcello passeia noites após noites com seu fotógrafo e fiel escudeiro Paparazzo, atrás de um clique ou uma entrevista de famosos que curtem a noite na Via Vêneto. Foi graças ao personagem Paparazzo, fotógrafo inoportuno, sempre atrás de um clique ou com uma celebridade, que o termo ficou famoso.
O filme além das locações na Fontana di Trevi, na Piazza San Pietro e na Via Vêneto tem locações nas Termas de Caracalla, Piazza de Popolo, Chiesa Don Bosco e Parco del Acquedotti, Além de Mastroianni e Anita Ekberg, os outros destaques são as francesas Anouk Aimée e Yvonne Furneaux. Preste atenção na incrível trilha sonora de Nino Rota.
4 – Um Dia Muito Especial, de Ettore Scola (1977)
Um dia Especial é um filme belíssimo de Ettore Scola ambientado no dia 6 de maio de 1938, dia histórico da vida de Roma, quando Benito Mussolini convoca todos os romanos para verem Adolf Hitler em visita a cidade. Nessa ocasião foi fechado o pacto de união entre os dois países.
Sophia Loren é uma triste dona de casa, cujo marido, um militar fascista, leva seus filhos para verem o Fuhrer. Ela conhece acidentalmente seu vizinho, um radialista recém demitido pelas forças fascistas devido seu homossexualismo, interpretado magistralmente por Marcello Mastroianni. Em poucas horas ambos vão se envolvendo e nutrindo uma relação que se aprofunda. Um filme comovente com atuação memorável da grande dupla de atores italianos.
5 – Para Roma com Amor, de Woody Allen (2012)
O personagem principal do filme de Woody Allen é Roma. As diversas histórias são narradas apenas para dar a deixa para os belos cenários da cidade. A fotografia é belíssima. Woody Allen é um ex produtor aposentado que vai para Roma conhecer o namorado italiano da filha, que se chama Michelangelo. Apresentado a família, tipicamente romana, Allen conhece o sogro da filha, incrível cantor de chuveiro das maiores óperas italianas, mas o sujeito tem um grave problema. Canta bem somente quando toma banho. Além do cineasta, essa história conta com Judy Davis, Alison Pil e vários atores italianos. Locações no bairro Monti, na Piazza dei Campidoglio, Piazza Navona, no Teatro dell’ Ópera, Vila Borghese, Piazza di Spagna e Trinitá del Monti.
Outra história é do alter-ego de Woddy Allen, o estudante de arquitetura Jason Eisenberg, que vive no charmoso bairro do Trastevere com sua namorada americana, interpretado por Greta Gerwig, quando a rotina do casal é complicada pela chegada de uma amiga lunática e mentirosa da namorada, papel de Ellen Page. O estudante conversa com o personagem de Alex Baldwin, um arquiteto americano famoso que participa de tudo, através da sua mente, dando conselhos amorosos para o rapaz. Além das muitas cenas no bairro do Trastevere, esse cast faz cenas nas Termas de Caracalla, Navona e Gianiculo.
Outras histórias tem como protagonistas Roberto Benigni, um homem comum que, de repente, vira uma celebridade famosa sem saber o porquê, e vira um verdadeiro pop star. A terceira história é sobre um casal italiano do interior que vai para Roma na lua de mel e a mulher acaba se perdendo. O marido se envolve com uma prostituta interpretada por Penélope Cruz. O roteiro dessa última história é idêntico ao filme de Fellini O Scheik Bianco, com Alberto Sordi.
Locações na Piazza Venezia, Altare della Patria, Via Vêneto, Piazza Santa Maria del Popolo, Vila Borghese, Termini, Fontana della Tartarughe..
6 – Roma Holliday – Vacanza Romana, de William Willer (1953)
Vacanza Romana é um filme adorado pelos romanos,estrelado por Gregory Peck, que vive um correspondente americano em Roma, e Audrey Hepburn é uma princesa de um país fictício, que cansada da sua rotina real, resolve fugir e perambular pelas ruas romanas.
Ambos se encontram e começam um passeio por toda Roma. Ela fingindo ser uma garota comum, ele fingindo que acredita. O filme ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Devido sua perseguição pelo Macartismo, o roteirista Dalton Trumbo, não assinou o filme na época.. Audrey Hepburn ganhou o Oscar de Melhor Atriz.
O filme teve locações na Boca della Veritá, na Igreja Santa Maria in Cosmedin, no Coliseu, Via do Fórum Imperial, Piazza della Rotonda, Piazza si Spagna, Scalinatá dei Trinitá del Monte, Rio Tibre, Castel Sant’Angelo, Piazza San Pietro, Palazzo Brancaccio (residência onde a princesa está hospedada) e na Via Marguta, 51, onde seria o apartamento do jornalista.
07 – Spartacus, de Stanley Kubrick (1960)
Para quem tem menos de 30 anos, e acredita firmemente que Gladiador é o melhor filme sobre as lutas romanas que se passavam no Coliseu, esqueça. Possivelmente você não ouviu falar de Spartacus, o grande filme de Stanley Kubrick. Mesmo com sua genialidade, o homem por trás dessa grande produção sobre a saga do escravo romano que luta contra o Império, é o próprio Spartacus, o ator com mais de 100 anos (atualmente) Kirk Douglas.
Kirk Douglas deu um verdadeiro olé no Macartismo americano que perseguia os roteiristas de Hollywood, associados ao Partido Comunista dos Estados Unidos, contratando ele, o grande roteirista Dalton Trumbo, o mesmo roteirista de Vacanza Romana. Dessa vez o roteiro, foi assinado pelo próprio Kubrick, já que Trumbo ainda não podia assinar os roteiros.
O filme conta com incríveis atores britânicos, como Laurence Olivier (acima), Peter Ustinov e Charles Laugheton. Outros atores são Tony Curtis, Jean Simmons e John Gavin. O filme Spartacus possui uma grande cena de homossexualismo disfarçado, entre Laurence Olivier, como o general romano, Marco Lícinio Crasso e seu escravo particular, Antoninus, interpretado por Anthony Curtis. Ambos interpretam um dos diálogos mais geniais do cinema. As cenas são gravadas em estúdio, mas não assistir Spartacus é não conhecer a história de Roma.
08 – Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, de Elio Petri (1970)
Não sei se o personagem principal é Gian Maia Volonté, que arrasa nesse filme, ou a incrível trilha sonora de Ennio Morricone. O filme é um thriller político de Elio Petri, diretor do filme A Classe Operária vai ao Paraíso. Volonté é um comissário da polícia romana, que na Itália conturbada dos anos 70, recebe a missão de reprimir os grupos de esquerda.Não é um spoiler, pois o filme começa como o comissário assassinado sua própria amante, a linda cearense Florinda Bolkan.
O comissário começa então a deixar pistas que o incriminem, mas sua própria polícia ignora os fatos acreditando ser ele um cidadão acima de qualquer suspeita, que dá título ao filme. O filme ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Prêmio do Júri do Festival de Cinema de Cannes. Se você quiser assistir esse filme on line, clique neste site aqui que é gratuito e legendado. A Via del Tempio, 1, apartamento onde ocorre o assassinato fica em frente ao Templo Maior de Roma, sinagoga próxima ao Lungotevere Cenci, em frente a Isola Tiberina.
09 – L’Assedio, de Bernardo Bertolucci (1998)
Esse belo filme de Bernardo Bertolucci seria mais que atual, em 2016. Jovem africana foge de seu país em convulsão social, onde seu marido é um preso político. Vai para Roma trabalhar como empregada doméstica.
Seu patrão, um pianista inglês, se apaixona por ela e começa a pressioná-la. Um belo filme, uma bela história, não tão conhecida, mas extremamente agradável e com uma uma bela trilha sonora de música africana. Esse filme foi rodado nos arredores da Piazza di Spagna, no apartamento onde viveu o poeta Gabriele D’Annunzio.
10 – Nós que nos Amávamos Tanto, de Ettore Scola (1974)
Mais um grande filme de Ettore Scola, com Vittorio Gassman, Nino Manfredi e Stefania Sandrelli. A primeira parte do filme se passa em preto e branco, quando os jovens Gianni e Antonio são partisans que enfrentam o exército nazista.
No pós-guerra, os dois conhecem a jovem Luciana e por ela se apaixonam, mas Gianni acaba casando com a filha de um advogado proeminente. Os três se encontram durante os anos sessenta, Antonio e Luciana casados e Gianni, enfadado com sua rotina na sociedade e por ter perdido sua paixão de juventude e seus ideais. Um belo filme onde Federico Fellini faz uma ponta como ele mesmo, filmando a cena na Fontana di Trevi com Marcello Mastroianni.
11 – Noites de Cabíria, de Federico Fellini (1957)
O filme mais comovente de Fellini é Noites de Cabiria, com a incrível Giulietta Masina, sua esposa. Cabiria é uma prostituta completamente ingênua, que acredita em todos, seja o cafetão, o larápio que lhe conquista, seus clientes, no primeiro que aparece pela frente. Apesar da profissão, Gelsomina acredita na bondade humana e sonha com um amor que lhe tire da vida difícil das ruas.
O filme ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Giulieta Masina o prêmio de Melhor Atriz do Festival de Cannes. Locações na Via Vêneto, Termas de Caracalla e Termini,
12 – O Caso Moro, de Giuseppe Ferrara (1986)
O filme conta a história verídica do político Aldo Moro, da Democria Cristã, que fecha um acordo com Enrico Berlinguer, presidente do Partido Comunista Italiano. Mas o político é sequestrado pelos extremistas das Brigadas Vermelhas.
O fato ocorreu em 1978, quando as Brigadas vermelhas iniciaram uma série de sequestros e assassinatos de políticos, juízes, professores e magistrados. O espetacular Gian Maria Volonté, ele militante do Partido Comunista Italiano, interpreta Aldo Moro, em mais um grande papel da sua carreira.
13 – Um Americano em Roma, de Steno (1953)
Os italianos são mestre em comédias italianas e Um Americano em Roma, com Alberto Sordi faz jus ao gênero. O filme é uma crítica ao americanismo que tomou conta de Roma, após a entrada dos americanos na cidade. Nando Mericoni é um homem que age como um cowboy em plena Roma. Passa suas tardes assistindo filmes de faroeste, anda na sua moto como se fosse um cavalo e prefere comer pão com mostarda e tomar leite a comer uma bela pasta da sua mama com um copo de vinho.
Um filme engraçadíssimo com dois mestres da comédia italiana: o diretor Steno e o ator Alberto Sordi, queridíssimo pelos romanos. Locações na Via Marguta, em uma cena nos telhados da rua e no Coliseu romano.
14 – Feios, Sujos e Malvados, de Etore Scolla (1976)
Esse espetacular filme de Ettore Scola é um olhar crítico sobre as mazelas da periferia de Roma, nos anos 70. Giacinto Mazzatela, interpretado genialmente por Nino Manfredi, é o chefe da família que vive em uma favela da periferia de Roma, no Monte Ciocci, com uma vista magnífica para a cúpula da Basílica San Pietro, localizado a sudeste do Vaticano.
No mesmo barraco empilham-se sua mulher, sua sogra, seus 10 filhos, diversas noras e genros, netos e agregados. Todos na mais absoluta miséria e falta de higiene. Seus parentes são trambiqueiros, prostitutas, travestis, ladrões e todo o tipo de pessoas vivendo na mais completa degradação humana. O próprio Giacinto vive da indenização que ganhou por perder um olho. Todos os parentes atrásd onde anda o dinheiro de Giacinto. Mas a guerra é declarada quando ele leva a amante, uma prostituta mais jovem e obesa, para viver no mesmo barraco miserável com toda a família.
O filme é genial, engraçado e cheio de maldade e ganância entre seus personagens feios e repulsivos, em tom de comédia, mostrando a miséria que viviam na periferia de Roma. Um filme politicamente incorreto, que usa a linguagem contrária para adicionar seu tom político. Um filme incrível com roteiro é do próprio Scola em parceria com Rugero Maccari e Sérgio Citti.
15 – Otto i Mezzo, de Federico Fellini (1963)
Marcello Mastroianni é o alter-ego de Federico Fellini em 8 1/2 , filme de 1963, onde interpreta o cineasta Guido Anselmi, que vive uma crise existencial, pressionado pela mulher, a amante e todos seus amigos.
Mais autobiográfico, impossível. O cineasta começa a misturar passado com presente e coloca todas as mulheres de sua vida juntas: seu objeto do desejo, sua mulher, a primeira prostituta. sua amante e todos seus casos. Fellini nesse período se aproximou muito dos estudos psicoanalíticos de Carl Jung, e 8 e 1/2 marca, definitivamente, sua ruptura com o neorrealismo. O elenco tem ainda Claudia Cardinale, Anouk Aimée, Sandra Milo e um sem número de atores fellinianos.
O filme ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e mais uma série de prêmios. Simplesmente magistral. Preste atenção na trilha de Nino Rota.
(Continua no post 2)